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A Agência das Nações Unidas para Refugiados, ACNUR, diz que muitos venezuelanos deixaram o país desde 2015. Mais de quatro milhões. E um milhão destes foram apenas entre novembro de 2018 a junho de 2019.

M eu nome é Yilmary Perdomo. Sou um dos milhares de venezuelanos que deixaram nosso país por causa da crise política e econômica. A maioria veio para o Brasil ou à Colômbia. Nossas vidas agora, embora melhores do que na Venezuela, estão longe de serem perfeitas.

 

Quando as pessoas me perguntam por que eu saí em 2016, antes da crise, digo a eles que naquela época o país já estava com problemas políticos, o mundo exterior simplesmente só não sabia. Nós não saímos porque queríamos. A inflação era muito alta, e as pessoas tentavam comprar alimentos e remédios, assim que eram pagos os salários. Mas isso significava que sempre havia longas filas nas lojas e às vezes você podia esperar quatro a cinco horas para entrar em uma loja, apenas para encontrar muito pouco. As pessoas estão passando fome. Pessoas muito instruídas, como advogados e engenheiros, estão deixando o país porque há poucas oportunidades. Mas como as qualificações não contam em outros países, acabam trabalhando em outros empregos, como taxistas ou atendentes em lojas de fast food.

 

Deixei minha casa em Aragua, no norte da Venezuela, com meu marido, enteado e dois filhos pequenos.

 

Embora o surgimento das filas para comprar de alimentos tenha sido muito preocupante, assim como a crescente interferência do governo em muitos locais de trabalho, foi a falta de segurança que nos fez decidir sair.

 

Embora admita que eu e minha família tenhamos discutido se mudar, quando finalmente decidimos, foi muito rápido. Minha sogra começou a receber ligações ameaçando sequestrar minha filha se não pagássemos o resgate. Minha filha ficou em casa durante seis meses e não foi à escola porque eu estava com muito medo de mandá-la.

 

Yilmary Perdomo em casa em São Paulo, Brasil. Imagem: Sarita Reed
Yilmary Perdomo em casa em São Paulo, Brasil. Imagem: Sarita Reed

 

Eu era terapeuta ocupacional na Venezuela, mas minha qualificação não é reconhecida aqui, por isso trabalho fazendo comida para ganhar dinheiro.

A Agência das Nações Unidas para Refugiados, ACNUR, diz que muitos venezuelanos deixaram o país desde 2015. Mais de quatro milhões. E um milhão destes foram apenas entre novembro de 2018 a junho de 2019.

 

Quando saímos de casa, nos mudamos para uma casa em Guarulhos por um ano. Minha família agora mora em um apartamento de três quartos em São Caetano do Sul. Ambas cidades estão localizadas na região metropolitana de São Paulo.

 

Eu tinha uma casa na Venezuela, mas tudo que eu pude trazer comigo foram algumas fotografias. Agora nem quero mudar as molduras antigas porque elas me lembram da minha antiga casa.

 

Eu era terapeuta ocupacional na Venezuela, mas minha qualificação não é reconhecida aqui, por isso trabalho fazendo comida para ganhar dinheiro. Eu cozinho sete dias por semana. Meu marido, que era professor de educação especial na Venezuela, ensina espanhol e é motorista de Uber.

 

Em São Caetano do Sul, meu dia normalmente começa antes das 4h. Normalmente sou a primeira a levantar. Tomo o café da manhã, termino de cozinhar para meus clientes e levo minha filha para a escola. Não tenho tempo para nada, exceto trabalho e meus filhos.

 

Yilmary Perdomo trabalhando em sua cozinha em São Paulo, Brazil. Imagem: Sarita Reed
Yilmary Perdomo trabalhando em sua cozinha em São Paulo, Brazil. Imagem: Sarita Reed

 

Quero mostrar que a Venezuela tem muito mais coisas boas do que ruins.

Cozinhar para mim se tornou muito mais do que apenas uma maneira de pagar as contas. Cozinhar significa estar perto da minha família, próximo das minhas raízes, lembrando como minha avó cozinhava, como minha mãe me ensinou. Cozinhar é a minha maneira de expressar minha cultura, minha alegria e felicidade. É disso que lembro quando cozinho. Quero mostrar que a Venezuela tem muito mais coisas boas do que ruins.

 

Comecei lentamente, cozinhando para amigos, participei de algumas oficinas para refugiados dirigidas pelo ACNUR. Isso me ajudou a decidir abrir meu próprio negócio, Tentaciones de Venezuela. Somos especializados em comida regional venezuelana.

 

Eu vendo minha comida nas ruas e feiras, ou forneço comida para coffee breaks e refeições para as pessoas em suas casas ou locais de trabalho.

No início deste ano, o governo brasileiro deu à minha família e a mim o status de refugiados. Eu queria expandir meus negócios, então tentei obter um empréstimo. Mas mesmo com o status de refugiado era difícil. Mesmo antes de solicitar um empréstimo, tive que ir ao banco sete vezes para tentar abrir uma conta. Sete vezes! Sempre faltava um documento, diziam eles.

 

Yilmary cozinhando para seu negócio, Tentaciones da Venezuela. Imagem: Sarita Reed
Yilmary cozinhando para seu negócio, Tentaciones da Venezuela. Imagem: Sarita Reed

 

Finalmente, pedi ajuda da Caritas, uma organização não governamental vinculada à Igreja Católica. Eles me disseram que o governo brasileiro dá permissão a qualquer pessoa com status de refugiado á abrir uma conta bancária em qualquer banco administrado pelo governo. Mas a maioria dos funcionários do banco não sabia disso. A Caritas, por outro lado, conseguiu abrir uma conta bancária para mim em menos de 15 minutos.

 

Quanto a conseguir um empréstimo, é quase impossível obter um empréstimo através de uma instituição financeira, pois não tenho carteira de identidade nem bens em meu nome.

 

Depois de meses tentando, finalmente fui aprovado para um empréstimo em um banco privado, mas, como as taxas de juros eram muito altas, decidi não o aceitar. As taxas de juros mensais para empréstimos pessoais no Brasil atualmente estão em torno de 6,2% ao mês.

Tudo o que precisamos é de uma oportunidade; tudo o que precisamos é de apoio para que possamos prosperar. Os refugiados vêm acrescentar, não subtrair, das novas comunidades e países em que nos instalamos.

 

Lise Alves is a freelance writer based in Brazil.

Photography by Sarita Reed.

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